sábado, 3 de janeiro de 2009

LXXIX (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

DE NOITE, amada, amarra teu coração ao meu
e que eles no sonho derrotem as trevas
como um duplo tambor combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.


Noturna travessia, brasa negra do sonho
interceptando o fio das uvas terrestres
com a pontualidade de um trem descabelado
que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.


Por isso amor, amarra-me ao movimento puro,
à tenacidade que em teu peito bate
com as asas de um cisne submergido,

para que às perguntas estreladas do céu
responda ao nosso sonho com uma só chave,
com uma só porta fechada pela sombra.

XLV (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

NÃO ESTEJAS longe de mim um só dia, porque como,
porque, não sei dizê-lo, é comprido o dia,
e te estarei esperando como nas estações
quando em alguma parte dormitaram os trens.

Não te vás por uma hora porque então
nessa hora se juntam as gotas do desvelo
e talvez toda fumaça que anda buscando casa
venha matar ainda meu coração perdido.

Ai que não se quebrante tua silhueta na areia,
ai que não voem tuas pálpebras na ausência:
não te vás por um minuto,bem-amada,

porque nesse minuto terás ido tão longe
que eu cruzarei toda terra perguntando
se voltarás ou se me deixarás morrendo.

XLV (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

SABERÁS que não te amo e que te amo
posto que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem uma metade de frio.

Eu te amo para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo todavia.

Te amo e não te amo como se tivesse
em minhas mãos as chaves da fortuna
e um incerto destino desditoso.

Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.

XVII (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

NÃO TE AMO como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em teu corpo
o apertado aroma que acendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és,
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha,
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

XLVIII(Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

DOIS AMANTES ditosos fazem um só pão,
uma só gota de lua na erva,
deixam andando duas sombras que se reúnem,
deixam um só sol vazio numa cama.

De todas as verdades escolheram o dia:
não se ataram com fios senão com um aroma,
e não despedaçaram a paz nem as palavras.
A ventura é uma torre transparente.

O ar, o vinho vão com dois amantes,
a noite lhes oferta suas ditosas pétalas,
têm direito a todos os cravos.

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem muitas vezes enquanto vivem,
têm da natureza a eternidade.

XLIX (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

É HOJE: todo ontem foi caindo
entre dedos de luz e olhos de sonhos,
amanhã chegará com passos verdes:
ninguém detém o rio da aurora.

Ninguém detém o rio de tuas mãos,
os olhos de teu sonho, bem-amada,
és tremor do tempo que trascorre
entre luz vertical e sol sombrio,

e o céu fecha sobre ti suas asas
levando-te e trazendo-te a meus braços
com pontual, misteriosa cortesia:

por isso canto ao dia e à lua,
ao mar, ao tempo, a todos os planetas,
a tua voz diurna e a tua pele noturna.

LXVI (Do livro Cem Sonetos de Amor)Pablo Neruda

Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.

Te quero só porque a ti te quero,
te odeio sem fim, e odiando-te rogo,
e a medida de meu amor viageiro
é não ver-te e amar-te como um cego.

Talvez consumirá a luz de janeiro
seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.

Nesta história só eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor a sangue e fogo.

LXX (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

TALVEZ ferido vou sem ir sangrento
por algum dos raios de tua vida
e a meia selva me detém a água:
a chuva que tomba com seu céu.

Então toco o coração chovido:
ali sei que teus olhos penetraram
pela região extensa de minha pena
e um sussurro de sombra surge só:

Quem é? Quem é?Mas não teve nome
a folha ou a água escura que palpita
a meia selva, surda, no caminho,

e assim, amor meu, soube que fui ferido
e ninguém falava ali senão a sombra,
a noite errante, o beijo da chuva.

LXXXI (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

JÁ ÉS minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite sobre suas invisíveis rodas
e junto a mim és pura como âmbar dormido.

Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma viajará pela sombra comigo,
só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixam cair suaves sinais sem rumo,
teus olhos se fecharam como duas asas cinzas,

enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,
e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

XCIII (o livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neurda

SE ALGUMA VEZ teu peito se detém,
se algo deixa de andar ardendo por tuas veias,
se tua voz em tua boca se vai sem ser palavra,
se tuas mãos se esquecem de voar e dormem,

Matilde, amor, deixa teus lábios entreabertos
porque esse último beijo deve durar comigo,
deve ficar imóvel para sempre em tua boca
para que assim também me acompanhe em minha morte.

Morrerei beijando tua louca boca fria,
abraçando o cacho perdido de teu corpo,
e buscando a luz de teus olhos fechados.

E assim quando a terra receber nosso abraço
iremos confundidos numa única morte
a viver para sempre de um beijo a eternidade.

XC (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Nruda

PENSEI morrer, senti de perto o frio,
e de quanto vivi só a ti deixava:
tua boca eram meu dia e minha noite terrestres
e tua pele a república fundada por meus beijos.

Nesse instante terminaram os livros,
a amizade, os tesouros sem trégua acumulados,
a casa transparente que tu e eu construímos:
tudo deixou de ser, menos teus olhos.

Porque o amor, enquanto a vida nos acossa,
é simplesmente uma onda alta sobre as ondas,
mas ai quando a morte vem tocar a porta

há teu olhar apenas para tanto vazio,
só tua claridade para não seguir sendo,
só teu amor para fechar a sombra.

LXXXIII (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

É BOM, amor, sentir-te de mim na noite,
invisível em teu sonho, seriamente noturna,
enquanto eu desenrolo minhas preocupações
como se fossem redes confundidas.

Ausente, pelos sonhos teu coração navega,
mas teu corpo assim abandonado respira
buscando-me sem ver-me, completando meu sonho
como uma planta que se duplica na sombra.

Erguida, serás outras que viverá amanhã,
mas das fronteiras perdidas na noite,
deste ser e não ser em que nos encontramos

algo fica acercando-nos na luz da vida
como se o selo da sombra assinalasse
como fogo suas secretas criaturas.

LXXVIII (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

Não tenho nunca mais, não tenho sempre. Na areia
a vitória deixou seus pés perdidos.
Sou um pobre homem disposto a amar seus semelhantes.
Não sei quem és. Te amo. Não dou, não vendo espinhos.

Alguém saberá talvez que não teci coroas
sangrentas, que combati o engano,
e que em verdade enchi a preamar de minha alma.
Eu paguei a vileza com pombas.

Eu não tenho jamais porque distinto
fui, sou, serei. E em nome
de meu mutante amor proclamo a pureza.

A morte é só pedra do esquecimento.
Te amo. beijo em tua boca a alegria.
Tragamos lenha. Faremos fogo na montanha.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

LXXI (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

DE PENA em pena cruza suas ilhas o amor
e estabelece raízes que logo rega o pranto,
e ninguém pode, ninguém pode evadir os passos
do coração que corre calado e carniceiro.

Assim tu e eu buscamos um vazio outro planeta
onde não tocasse o sal tua cabeleira,
onde não crescessem dores por minha culpa,
onde viva o pão sem agonia,

Um planeta enredado por distância e folhagens,
um páramo, uma pedra cruel e desabitada,
com nossas próprias mãos fazer um ninho duro

Queríamos, sem dano nem ferida nem palavra,
e não foi assim o amor, senão uma cidade louca
onde as pessoas empalidecem nas sacadas.

LXIX (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

TALVEZ não ser é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando o meio-dia
como uma flor azul, sem que caminhes
mais tarde pela névoa e os ladrilhos,

sem essa luz que levas na mão
que talvez outros não verão dourada,
que talvez ninguém soube que crescia
como a origem rubra da rosa,

sem que sejas, enfim, sem que viesses
brusca, incitante, conhecer minha vida,
aragem de roseira, trigo do vento,

e desde então sou porque tu és,
e desde então és, sou e somos
e por amor serei, serás, seremos.

LXIV (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

DE TANTO AMOR minha vida se tingiu de violeta
e fui de rumo em rumo como as aves cegas
até chegar a tua janela, amiga minha:
tu sentiste um rumor de coração quebrado

e ali da escuridão me levantei a teu peito,
sem ser e sem saber fui à torre do trigo,
surgi para viver entre tuas mãos,
me levantei do mar a tua alegria.

Ninguém pode contar o que te devo, é lúcido
o que te devo, amor, e é como uma raiz
natal de Araucânia, o que te devo, amada.

É sem dúvida estrelado tudo o que te devo,
o que te devo é como o poço de uma zona silvestre
onde guardou o tempo relâmpagos errantes.

LXII (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

AI DE MIM, ai de nós, bem-amada,
só quisemos apenas amor, amar-nos,
e entre tantas dores se dispôs
somente a nós dois ser malferidos.

Quisemos o tu e o eu para nós,
o tu do beijo, o eu do pão secreto,
e assim era tudo,eternamente simples,
até que o ódio entrou pela janela.

Odeiam os que não amaram nosso amor,
nem outro nenhum amor, desventurados
como as cadeiras de um salão perdido,

até que em cinza se enredaram
e o rosto ameaçante que tiveram
se apagou no crepúsculo apagado.

LXI (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

Trouxe o amor sua cauda de dores,
seu longo raio estático de espinhos,
e fechamos os olhos porque nada,
para que nenhuma ferida nos separe,

Não é culpa de teus olhos este pranto:
tuas mãos não cravaram esta espada:
não buscaram teus pés este caminho:
chegou a teu coração o mel sombrio.

Quando o amor como uma imensa onda
nos estrelou contra a pedra dura,
nos amassou com uma só farinha,

caiu a dor sobre outro doce rosto
e assim na luz da estação aberta
se consagrou a primavera ferida.

XLVIII (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

DOIS AMANTES ditosos fazem um só pão,
uma gota de lua na erva,
deixam andando duas sombras que se reúnem,
deixam um só sol vazio numa cama.

De todas as verdades escolheram o dia:
não se ataram com fios senão com um aroma,
e não despedaçaram a paz nem as palavras,
A aventura é uma torre transparente.

O ar, o vinho vão com os dois amantes,
a noite lhes oferta suas ditosas pétalas,
têm direito a todos os cravos.

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem muitas vezes enquanto vivem,
têm da natureza a eternidade.

XXV (Do livro Cem Sonetos de Amor)Pablo Neruda

ANTES de amar-te, amor, nada era meu:
vacilei pelas ruas e as coisas:
nada contava nem tinha nome:
o mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,
túneis habitados pela lua,
hangares cruéis que se despediam,
perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
caído, abandonado e decaído,
tudo era inalienavelmente alheio,

tudo era dos outros e de ninguém,
até que tua beleza e tua pobreza
de dádivas encheram o outono.

XXI (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

OH que todo o amor propague em mim sua boca,
que não sofra um momento mais sem primavera,
eu não vendi senão minhas mãos à dor,
agora, bem-amada, deixa-me com teus beijos.

Cobre a luz do mês aberto com teu aroma,
fecha as portas com tua cabeleira,
e em relação a mim não esqueças que se desperto e choro
é porque em sonhos apenas sou um menino perdido

que busca entre as folhas da noite tuas mãos,
o contato do trigo que tu me comunicas,
um rapto cintilante de sombra e energia.

Oh, bem-amada, e nada mais que sombra
por onde me acompanhes em teus sonhos
e me digas a hora da luz.

XV(Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

DE HÁ muito tempo a terra te conhece:
és compacta como o pão ou a madeira,
és corpo, cacho de segura substância,
tens peso de acácia, de legume dourado.

Sei que existes não só porque teus olhos voam
e dão luz as coisas como janela aberta,
mas porque de barro te fizeram e cozeram
no Chile, num forno de adobe estupefato.

Os seres se derramam como ar ou água ou frio
e vagos são, se apagam ao contato do tempo,
como se antes de mortos fossem fragmentados.

Tu cairás comigo como pedra na tumba
e assim por nosso amor que não foi consumido
continuará vivendo conosco a terra.

XIV ( Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

ME FALTA tempo para celebrar teus cabelos.
Um por um devo contá-los e louvá-los:
outros amantes querem viver com certos olhos,
eu só quero ser penteador de teus cabelos.

Na Itália te batizaram Medusa
pela encrespada e alta luz de tua cabeleira.
Eu te chamo brejeira minha e emaranhada:
meu coração conhece as portas de teu pêlo.

Quando tu te extraviares em teus próprios cabelos,
não me esqueças, lembra-te que te amo,
não me deixes perdido ir sem tua cabeleira

pelo mundo sombrio de todos os caminhos
que só tem sombra, transitórias dores,
até que o sol suba à torre de teu pêlo.

XII (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

PLENA MULHER, maça carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
Que antiga noite o homem toca com seus sentidos?

Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos
e dois corpos por um só mel derrotados.

Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital trasformado em delícia

corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra um raio.

XI (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

Tenho fome de tua boca, de tua voz, de teu pêlo,
e pelas ruas vou sem nutrir-me, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra,
busco o som líquido de teus pés no dia.

Estou faminto de teu riso resvalado,
de tuas mãos cor de furioso celeiro,
tenho fome da pálida pedra de tua unhas,
quero comer tua pele como uma intacta amêndoa.

Quero comer o raio queimando em tua beleza,
o nariz soberano do arrogante rosto,
quero comer a sombra fugaz de tuas pestanas

e faminto venho e vou olfateando o crepúsculo
buscando-te, buscando teu coração ardente
como um puma na solidão de Quitratúe.

VIII (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

SE NÃO FOSSE porque têm cor-de-lua teus olhos,
de dia com argila, com trabalho, com fogo,
e aprisionada tens a agilidade do ar,
se não fosse porque uma semana és de âmbar,

se não fosse porque és o momento amarelo
em que o outono sobe pelas trepadeiras
e és ainda o pão que a lua fragrante
elabora passeando sua farinha pelo céu,

oh, bem amada, eu não te amaria!
Em teu braço eu abraço o que existe,
a areia, o tempo, a árvore da chuva,

e tudo vive para que eu viva!
sem ir tão longe posso ver tudo:
vejo em tua vida todo o vivente.

VII (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

"Virás comigo", disse, sem que ninguém soubesse
onde e como pulsava meu estado doloroso,
e para mim não havia cravo nem barcarola,
nada senão uma ferida pelo amor aberta.

Repeti: vem comigo, como se morresse,
e ninguém viu em minha boca a lua que sangrava,
ninguém viu aquele sangue que subiu ao silêncio.
Oh amor, agora esqueçamos a estrela com pontas!

Por isso quando ouvi que tua voz repetia
"Virás comigo", foi como se desatasses
dor, amor, a fúria do vinho encarcerado

que de sua cantina submergida soubesse
e outra vez em minha boca senti um sabor de chama,
de sangue e cravos, de pedra e queimadura.

V (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

Não toque a noite nem o ar nem a aurora,
só a terra, a virtude dos cachos,
as maças que crescem ouvindo a água pura,
o barro e as resinas de teu país fragrante.

Desde Quinchamalí onde fizeram teus olhos
aos teus pés criados para mim na fronteira
és a greda escura que conheço:
em teus quadris toco de novo todo o trigo.

Talvez tu não sabias, araucana,
que quando antes de amar-te me esqueci de teus beijos
meu coração ficou recordando tua boca

e fui como um ferido pelas ruas
até que compreendi que havia encontrado
amor, meu território de beijos e vulcões.

III (Do livro cem sonetos de amor) Pablo Neruda

Áspero amor, violeta coroada de espinhos,
cipoal entre tantas paixões eriçado,
lança de dores, corola de cólera,
por que caminhos e como te dirigiste a minha alma?

Por que precipitaste teu fogo doloroso,
de repente, entre as folhas frias de meu caminho?
Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?
Que flor, que pedra que fumaça, mostraram minha morada?

O certo é que tremeu a noite pavorosa,
a aurora encheu todas as taças com seu vinho
e o sol estabeleceu sua presença celeste,

enquanto o cruel amor sem trégua me cercava,
até que lacerando-me com espadas e espinhos
abriu no coração um caminho queimante.

ll (Do livro Cem Sonetos de Amor) Pablo Neruda

Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.
Em Taltal não amanhece ainda a primavera.

Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris
até ser só tu, só eu juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água, de Boroa,
pensar que separados por trens e nações.

tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.